Hoje não vamos falar sobre o Nordeste
Desta vez te oferecemos uma colheita especial, na região vizinha, que não resiste apenas nas florestas
Oie, tudo certinho por aí? Temos uma surpresa. Hoje você não vai ver por aqui as colheitas nordestinas como de costume, mas não se aperreie que é por um motivo bem massa. Sentimos a necessidade de fazer essa edição #14 sobre uma região do Brasil coladinha com a gente, porque acreditamos que descentralizar a mídia também é colocar os estados do Norte no centro do debate nacional.
Isso porque a histórica concentração de recursos e de poder no Sul-Sudeste do país continua aprofundando desigualdades regionais. Na mídia, por exemplo, Norte e Nordeste são as regiões com mais lugares onde não há cobertura jornalística local, os chamados desertos de notícias. Por isso, nesta edição especial destacamos projetos dos estados do Norte que dão match com nossa principal bandeira: valorizar as vozes dos territórios e a diversidade regional no jornalismo ✊
Ah, falando em matches 😏 , temos uma informação de bastidores: a ideia dessa edição surgiu a partir do encontro entre uma paraense e uma paraibana. No programa Saia Justa do Canal GNT, em 26/05, a cantora paraense Gaby Amarantos conversou com a paraibana Juliette, vencedora do #BBB21. Gaby comentou que muitos brasileiros já abraçam o Nordeste, entendem a importância de valorizar a região e acabar com a xenofobia. Mas o Norte é ainda esquecido no cenário nacional.
A cantora também chamou atenção para a urgência de combatermos a reprodução de estereótipos: "no Norte não tem só Floresta, temos cidades". Alguma semelhança com o que a gente vive falando aqui na Cajueira sobre os estereótipos nordestinos de seca e sofrimento?
Pois pronto, entendemos o chamado, Gaby! Hoje é dia de cupuaçu, açaí, pupunha junto com outros tantos frutos dos estados do Norte. É dia de conhecer o jornalismo independente – urgente e necessário – que nossos colegas nortistas estão produzindo.
Muita produção boa pra tu ir pensando em apoiar também. Ah! Aproveita o gancho de Gaby Amarantos e já bota um tecnobrega ai pra acompanhar a leitura. 👯 💃
Sirva-se!
O começo no Amazonas
Em 2013, Kátia Brasil e Elaíze Farias fundaram a primeira agência de jornalismo independente investigativa do Norte do Brasil: a Amazônia Real. Kátia e Elaíze encararam há 8 anos a missão de dar visibilidade às questões amazônicas porque perceberam que as lideranças da região não tinham espaço na mídia hegemônica como deveriam.
"Os acontecimentos daqui por muitas vezes são descritos de forma pejorativa, fantasiosa, espetaculosa", disse Kátia. Ela acredita que o descaso com a Amazônia tem relação com a forma como nós, brasileiros, fomos colonizados. Para ela, do mesmo jeito que grande parte do Brasil não se importa com seus povos ancestrais, há uma parcela da população urbana nos estados nortistas também que "vê os indígenas até como inimigos".
Kátia também disse que é desafiador tocar um projeto independente em um território tão extenso. Muitas vezes as coberturas exigem deslocamentos da equipe, de barco ou de avião para ir, por exemplo, numa terra indígena que esteja ameaçada por garimpeiros. “É um jornalismo muito caro, que depende de recursos pra gente chegar aonde acontecem os fatos".
"Os estereótipos sempre foram um problema para a região Amazônica, principalmente na grande mídia e na mídia internacional. Se fala da Amazônia com muita mitologia e folclore. Um certo descaso..."
Kátia Brasil, co-fundadora do Amazônia Real
Outros olhares sobre a Amazônia
É incrível acompanhar a trajetória da Amazônia Real e ainda melhor é saber de mais trabalhos independentes na região. O jornalista Bruno Tadeu Moraes lançou recentemente o Afluente Jornalismo, um portal e podcast que também mergulha nas infinitas pautas e debates do Amazonas.
Bruno acredita que, por força de interesses políticos e econômicos locais e nacionais, muitos assuntos não ganham destaque na mídia comercial e hegemônica, principalmente os temas relacionados ao meio ambiente. Mas a movimentação dos jornalistas independentes vem conseguindo mudar essa cobertura e mostrá-la para a própria população amazonense. "O grande desafio é esse paradoxo de você estar na Amazônia diante de todo um cenário político contrário à Amazônia", comentou.
Valéria Santana, professora e jornalista independente do Acre, falou sobre como é desafiador estar no Norte e não cair nos estereótipos propagados pelos olhares de pessoas de fora."Até mesmo os veículos daqui têm uma leitura da própria Amazônia, que é ou romantizada ou de um lugar extremo que está o tempo inteiro em vulnerabilidade".
Para Valéria, pouco se mostra a respeito "das lutas, das resistências dos povos indígenas, dos povos tradicionais, da produção familiar, de culturas diversas, dentro desse ambiente de floresta, que é tanto para sobreviver, como também é pra ter uma produção equilibrada com o ambiente". São grupos que coabitam e, geralmente, ela diz, “quando se faz uma abordagem, só aparece o conflito”. Também há outras realidades pouco reportadas como crises migratórias.
"São muitas perspectivas que se ignoram quando você pensa que a Amazônia é apenas floresta".
Valéria Santana, professora e jornalista independente do Acre
Os mesmos governos que incentivam a devastação ambiental não preparam as cidades para receber as pessoas que são expulsas dos territórios, complementa Valéria, "temos um inchaço populacional, que repercute numa periferia maior". E isso não é dito. Mas para fazer essas coberturas de maneira integral, lembra a jornalista, "é preciso ter acesso a bolsas, investimentos, correr atrás de empresariar o nosso trabalho, o que também é algo extremamente difícil".
Pautas diversas
Por falar em outras temáticas, a crise elétrica do Amapá entrou na pauta nacional quando o apagão por lá já acontecia há dias e ainda assim não houve um equilíbrio na cobertura que disputava espaço, no fim do ano passado, com a eleição presidencial norte-americana.
A estudante de jornalismo da Universidade Federal do Amapá, Luíza Nobre cobriu o apagão em Macapá para veículos de alcance nacional. Ela defende que a Amazônia precisa ser contada pelos seus. "Falo de todos os comunicadores amazônidas, não só os urbanos como eu, mas os indígenas, os ribeirinhos, os povos da floresta".
Luiza é produtora e co-apresentadora do programa de rádio Café com Notícia, um jornal com 15 anos de tradição na capital amapaense. Faz parte da rotina dela perder conexão de internet várias vezes, ter dificuldades tecnológicas e de deslocamento, entre outras especificidades que ocorrem muito por conta do isolamento geográfico do estado. Mas o resto do Brasil teima em enxergar também a região Norte, assim como o Nordeste, como uma unidade. Porém, os estados são muito diferentes em cultura, sociedades, realidades.
"Enfrento uma realidade de trabalho que vai de um jornalismo tradicional ainda muito engessado, incluindo o que se entende como jornalismo jabazeiro (feito por interesses financeiros) até o jornalismo sem estrutura tecnológica para se realizar", contou Luiza. Ela retoma o exemplo do apagão, quando só a TV CNN conseguiu ficar no ar nos quatro primeiros dias, enquanto as rádios locais mais ouvidas lá não tinham energia.
A estudante do Macapá reforça a fala de Kátia Brasil (de Manaus): "É muito caro fazer jornalismo na Amazônia, desde comprar equipamento e pagar fretes caros de entrega até conseguir fazer cursos, participar de congressos, ou mesmo viajar para as pautas na região".
Representatividade e narrativas
Djuena Tikuna é a primeira jornalista indígena formada no estado do Amazonas, mas hoje já tem mais estudantes indígenas que estão cursando jornalismo, além da Rede de Jovens Indígenas Comunicadores do Alto Solimões (REJICARS). A Mídia Índia também faz jornalismo independente e trabalhos de formação para que eles possam divulgar a luta e resistência dos seus povos.
"Hoje se tem mais oportunidade, principalmente nas redes sociais, que antigamente a gente não podia ocupar. É uma nova forma de narrar a história e o que acontece no nosso dia a dia, mesmo que não tenhamos espaço nos grandes meios de comunicação", afirmou Djuena. Ela criou seu próprio portal de notícias para divulgar artigos escritos pelos parentes. As pautas vão desde a luta pela demarcação até o contexto urbano, que é onde muitos indígenas moram. No caso dela, a cultura é o assunto mais recorrente, por ser também artista e cantora indígena, levando a luta do seu povo também através da música.
Novos nortes fora das grandes redações
Muito projeto legal, né? Mas a gente quer rechear mais essa edição. Então pedimos aos queridos colegas nortistas Allan Gomes e Jéssica Botelho, que pesquisam mídia independente nos estados do Norte, algumas indicações. Eles citaram o Amazonas Atual, Revista Cenarium e Portal Edilene Mafra.
Também destacaram “profissionais (independentes) que passaram a colaborar com projetos e coletivos de comunicação, ainda que de maneira temporária, como no Jornalistas Livres, Mídia Ninja Amazônia, Outros 400, Lição de Casa (que tem Djuena como colaboradora atuando do Maranhão, onde ela reside atualmente)”.
Jéssica e Allan ainda lembraram de reportagens feitas em colaboração com veículos nacionais e bolsas de financiamento. Um exemplo foi a reportagem publicada no Brasil de Fato, sobre a ativista trans que perdeu a guarda do filho no Pará e a matéria sobre a tensão provocada por garimpeiros em território Yanomami, publicada na UOL.
"Conhecer, apoiar e consumir o jornalismo nortista é fundamental para a descentralização da imprensa no Brasil. Uma região tão emblemática e complexa como a região Norte, que comporta a maior parte da Amazônia, certamente tem muitos desafios a superar, mas encontra novos caminhos à medida que o próprio jornalismo se reinventa. Neste período atribulado que atravessamos, olhar para o Norte é também um exercício de cidadania brasileira"
Allan Gomes e Jéssica Botelho, jornalistas e pesquisadores
Uma lista para você acompanhar (e apoiar) ✊
Se tu chegou até aqui com a gente, é porque gostou de saborear os frutos do Norte. Mas calma que ainda tem mais.
Em Roraima, a gente indica o Correio Lavrado, um jornal digital para quem busca uma abordagem independente e humanizada dos fatos que acontecem no estado do extremo-norte do Brasil. Lavrado é o termo local utilizado para definir um ecossistema único de vegetação aberta, rico em diversidade biológica, cultural e étnica e compartilhado com outros dois países, também conhecido como “savana das Guianas” e “campos do Alto Rio Branco”.
Em março, o veículo foi um dos 12 selecionados para o programa Dart Center for Journalism and Trauma, da Universidade de Columbia. O projeto “Desenvolvimento em Refúgio: a vida de crianças venezuelanas na Capital da Primeira Infância” é da jornalista Vanessa Vieira. Ela vai investigar as condições em que se encontram crianças de até três anos, filhas de refugiados e migrantes venezuelanos que vivem em um alojamento temporário da Operação Acolhida, em Boa Vista.
Em Rondônia tem um podcast especializado em divulgação científica e astronomia, mas só para quem é ‘terrabolista’, tá? O Clube de Astronomia e Ciências de Rondônia já falou sobre a vacinação contra a Covid e sobre astronomia como ferramenta de aprendizagem no ensino infantil. Também vale a pena seguir o perfil do Clube no instagram com belas imagens do nosso universo.
No Pará, mais especificamente em Santarém, o Tapajós de Fato tem feito uma cobertura local bem interessante e atuante, principalmente pelo Instagram. Nos protestos contra o governo Bolsonaro, em 29 de maio, eles fizeram vídeos e informaram sobre o ato.
Pensa que acabou? Listamos abaixo mais algumas indicações de veículos da região Norte:
👇
AMAZONAS
Vocativo https://twitter.com/vocativo
ACRE
Blog Fábio Pontes http://www.fabiopontes.net/?m=1
Portal Ecos da Notícia https://ecosdanoticia.net.br/
RONDÔNIA
Portal News Rondônia https://www.newsrondonia.com.br/
PARÁ
Podcast sobre política e meio ambiente Carta Amazônia https://twitter.com/cartaamazonia
TOCANTINS
Projeto de checagem de fatos de jornalistas do Tocantins https://www.instagram.com/desmintofakenews/?utm_medium=copy_link
Portal Toca News https://www.tocanews.com.br/
NO TWITTER
. Notícias do Norte que reúne veículos agregados a partir da pesquisa Atlas da Notícia
. Jornalistas Nortistas que lista profissionais de jornalismo de todos os estados da região
Por fim (ufa!), deixamos aqui a dica do episódio #83 do Vida de Jornalista sobre o Norte. O apresentador Rodrigo Alves conversou com um repórter de cada um dos 7 estados sobre os bastidores de coberturas complexas e relevantes, a história de Tocantins inclusive é bem legal. Vai lá ouvir, visse!
SPOILER!!!🗣️
E atenção para um último recado que é um spoiler lindeza. Essa curadoria diferenciada é um gostinho do que vem por aí. Estamos planejando e testando produtos novos, edições extras e contamos contigo. Diz o que achou 🥰
Ah, não deixem de fazer aquele pix do amor 😍 com recadinho de incentivo pra gente continuar nessa resenha profissa (chave: cajueira.ne@gmail.com).
Um cheiro, vacina no braço, comida no prato e #forabolsonaro 👊
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