Contra o caos, a teimosia
Edição n° 03 | Jornalistas independentes do Nordeste falam sobre perspectivas para 2021
Oi, tudo bem? Temos um ano inteirinho de descobertas pela frente e é bom demais ter você com a gente.
2021 será um ano de consequências. Sentiremos os efeitos de mais de 200 mil mortes causadas pela covid-19. Enquanto esperamos por uma vacina, não teremos como fugir dos problemas econômicos e da crise de desemprego provocada pela pandemia e pela falta de um presidente que realmente governe.
Esse cenário tem grande potencial para afetar o jornalismo independente nos estados do Nordeste. Mas, se não temos como fechar os olhos para o caos, podemos pensar em alternativas para não sucumbir a ele. Por isso, decidimos falar sobre perspectivas na primeira edição da Cajueira deste ano.
Dessa vez, não apenas indicaremos veículos e reportagens, como de costume. Conversamos também com comunicadoras e comunicadores dos estados do Nordeste para saber como planejam tornar o jornalismo independente mais forte em 2021. Se fosse para resumir todas as respostas em uma frase, diríamos que as dificuldades são muitas, mas a teimosia é maior. Não há, para nenhuma dessas pessoas, a opção de desistir.
Trazer esperança para esse novo ciclo passa também por você, querida e querido assinante. Que tal apoiar o jornalismo independente produzido nos estados do Nordeste financiando iniciativas? Daqui, nos comprometemos a oferecer toda a diversidade de vozes que existem na região.
Sirva-se!
Equipe Cajueira
A união é a saída
Os planos dos comunicadores e comunicadoras para este ano envolvem principalmente os projetos de financiamento coletivo, a busca por editais e por parcerias nacionais e internacionais, mas sem interferência editorial.
Em Alagoas, a Mídia Caeté, criada em 2019, após uma greve que uniu jornalistas do estado na luta contra demissões em massa e redução de salários, é um bom exemplo de como, juntos, podemos reverter um momento de adversidade. O movimento grevista de dois anos atrás não só garantiu os direitos trabalhistas, como fez surgir vários projetos independentes no estado e uma cooperativa formada por oito jornalistas e um webdesigner.
A Mídia Caeté é uma “plataforma multimidiática”, como descreve o jornalista Caio Lorena, que tem como missão "fiscalizar os poderes, independentemente de quem sejam os sujeitos que os exerçam". O desafio para este ano é ampliar a base de colaboradores para continuar crescendo. Em 2020, mesmo com a pandemia, o grupo conseguiu montar a redação e aumentou a quantidade de publicações.
A união de comunicadores independentes também fez surgir o NE45, um veículo de Pernambuco, idealizado por cinco amigos que fazem a cobertura do futebol no Nordeste. O projeto existe desde 2014 e começou com o Podcast 45 Minutos. Mas foi no ano passado que o grupo resolveu lançar o site e ampliar a cobertura "com uma equipe formada por profissionais distribuídos entre as principais capitais do Nordeste".
A recuperação econômica é fundamental para que surjam novas fontes de financiamento, dizem os jornalistas do veículo, que, por enquanto, depositam esperanças na adesão do público à campanha permanente de financiamento coletivo. “Para a ampliação da cobertura que projetamos, é preciso reunir mais parceiros e mais recursos”, diz o jornalista e podcaster Celso Ishigami.
Desafios dos projetos individuais
Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, Bruno Barreto faz, sozinho, a cobertura política da cidade e publica tudo no Blog do Barreto. Segundo o jornalista, a página especializada está entre as mais lidas do município. "Trabalho com uma linha editorial progressista, separando notícia e opinião. Me esforço para oferecer profundidade analítica de forma que todos os leitores compreendam".
O maior desafio de Bruno - além de ter que dar conta de tudo só - é a vulnerabilidade ao que ele chama de jogo do poder, devido à falta de proteção institucional. "Há sempre artimanhas para que os fatos não venham à tona", comenta. Mesmo reconhecendo os riscos, o jornalista continua firme porque acredita que o jornalismo independente "é o guardião da pluralidade da informação".
Castanhas
O Nordeste é a região do Brasil que concentra o maior número de desertos de notícias, ou seja, municípios onde não há jornalismo local. E Sergipe é o estado com maior proporção desses desertos (85,6%), segundo a pesquisa do Atlas da Notícia, publicada em 2019. Diversificar a cobertura é um desafio para os comunicadores independentes de lá.
Conversamos sobre isso com o comunicador Antônio Laranjeira, colaborador do InfoSãoFrancisco – um dos poucos projetos de jornalismo independente que conseguimos mapear no estado até agora. Ele aponta que há mídias alternativas, sobretudo culturais, mas faltam projetos de cobertura política. "Existem redes de movimentos feministas, de movimento negro, indígena... Muitas vezes, eles formam grupos de WhatsApp com mais força de engajamento e empoderamento do que blogs, mas são conteúdos que não chegam ao público em geral".
Por aqui, continuaremos na busca por mais projetos de Sergipe e contamos com sua ajuda. Conhece algum veículo ou jornalista independente de Sergipe ou em outros estados do Nordeste? Conta pra gente!
Paraíba Feminina, mulheres Bárbaras, sim senhor!
Não há jornalismo independente sem diversidade. Na Paraíba e no interior do Ceará, são as mulheres que lideram dois importantes projetos. O Portal Paraíba Feminina, contou Taty Valéria, surgiu em 2019 e é tocado por apenas duas pessoas que têm a ousada missão de divulgar "conteúdos que não serão publicados em sistemas de comunicação com interesses políticos e empresariais".
Para 2021, a aposta é no financiamento coletivo. "Também estamos buscando parcerias, inclusive institucionais, mas que nos permitam continuar com nossa linha editorial", concluiu.
No Ceará, a Revista Bárbaras é produzida por mulheres que atuam em frentes feministas, antirracistas e ecossocialistas. A publicação foi lançada em 2018, após ganhar recurso por meio de um edital da Pró-Reitoria de Cultura da Universidade Federal do Cariri. Segundo Laura Brasil, a equipe está se preparando para se desmembrar da instituição e ser um veículo totalmente independente.
Embora reconheçam que haverá "dificuldades devido à conjuntura econômica e antidemocrática do Brasil", elas vão contar com financiamentos coletivos e inscrições em editais.
Incerteza e convicção lado a lado
As vaquinhas online e a colaboração individual de apoiadores virtuais realmente são as apostas de grande parte dos veículos que querem manter a independência editorial. No Maranhão, produtores de conteúdo chamam atenção para a importância de oportunidades de financiamento público na sustentabilidade das iniciativas. “Considerando que a comunicação é um direito do cidadão”, Rejane Galeno, da Agência/Rádio Tambor, defende que o recurso esteja previsto no orçamento dos governos, sem que isso interfira na linha editorial. A Agência Tambor foi fundada em 2018, com foco em direitos humanos.
Se tivesse acesso a esse tipo de financiamento, veículos como a Revista Revestrés, que existe desde 2012 no Piauí, não passariam por tantas dificuldades. André Gonçalves, jornalista do projeto, diz que o veículo tem a proposta de "trabalhar contra todas as formas de preconceito, usando a arte, a cultura e o conhecimento como armas contra as opressões". Mas desabafa: em 2020, "as verbas minguaram e os patrocinadores sumiram".
Nem de longe, porém, isso significa o fim. Não falta à Revestrés, nem à Mídia Caeté, ao NE45, ao Blog do Barreto, à Paraíba Feminina, à Revista Bárbaras e à Agência/Rádio Tambor, nem a tantos outros projetos, a vontade de seguir fazendo bom jornalismo – apesar de tudo. E, como dissemos antes, precisamos contribuir no plantio desses projetos para que eles continuem produzindo frutos doces. Por isso, em 2021, apoie o jornalismo independente feito no Nordeste.
Correção - Na edição passada, dissemos que o Site Negrê era da Bahia. O portal de notícias e mídia negra nordestina é cearense, com jornalistas espalhados por toda a região, fazendo coberturas de seus territórios.
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