🌵 O estigma do nordestino que não sabe votar
Fome, Bolsa Família e a imagem do Nordeste como portador da desgraça brasileira
Oi, tudo bem contigo?
Por aqui vamos seguindo firmes, comemorando a queda das mortes pela Covid-19 e respirando um pouco mais aliviadas. Hoje, vamos conversar sobre velhos estigmas que teimam em reaparecer na mídia, principalmente no período de eleições, mas antes de entrar no assunto, queremos antecipar que em breve vamos comemorar um ano de Cajueira. Incrível, né? 🥰✨
Estamos preparando uma edição porreta para festejar e vale lembrar que você já pode nos desejar feliz aniversário mandando um PIX (cajueira.ne@gmail.com) ou participando da nossa campanha de financiamento recorrente 😉 Recado dado, vamos para o assunto da edição.
A fome voltou a ser uma pavorosa tragédia de dimensões nacionais. Em um vídeo vemos um homem gritando por comida nas ruas de Brasília (DF). Imagens de pessoas em situação de rua se apinhando no centro de São Paulo, implorando por alimentos, circulam nas redes sociais. Enquanto a miséria se alastra pelo país, onde mais de 20 milhões de pessoas dizem passar 24 horas ou mais sem ter o que comer, o Governo Federal encerrou o maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família, que tirou mais de três milhões de brasileiros da extrema pobreza. Embrulhado em incertezas, o "Auxílio Brasil", vendido como um substituto, é mais uma estratégia bolsonarista para conquistar votos em 2022. Mas onde está o eleitorado que se compra com a barriga?
O estigma da troca de voto por comida no Nordeste voltou a ser reproduzido por boa parte da mídia do Sudeste-Sul. São as ‘imagens-bumerangue’, aquelas que sempre voltam como uma representação cristalizada da região. Como se a fome, a miséria e a pobreza, que também estão nas favelas de qualquer grande cidade do país, tivessem um endereço certo: é “naquele torrão distante e seco denominado Nordeste”. É a região onde habitam os pobres coitados, lembrados por seu sofrimento e sua “incapacidade de reflexão”, nas sempre afiadas palavras da jornalista Fabiana Moraes. Equipes de reportagem de grandes jornais correm para esses “rincões”, sedentas por histórias de cortar o coração e atrair cliques.
Apesar do mito do eleitorado nordestino desinformado, fomos a única região do país onde Bolsonaro sofreu derrota nas urnas. É óbvio que isso tem relação com as mudanças socioeconômicas que beneficiaram diretamente as populações dos estados do Nordeste durante os governos do PT - entre elas o Bolsa Família e outros programas, como a implantação de um milhão de cisternas no semiárido (você encontra alguns links na curadoria abaixo para entender melhor).
Mas a manutenção da imagem do Nordeste como representante da desgraça brasileira persiste na mídia. Ela é, no fundo, uma desqualificação do voto dos pobres, como explica Fabiana. Afinal, os ricos também votam guiados por seus interesses. Bolsonaro, aliás, foi uma escolha que comunga com as elites ressentidas pelos avanços sociais, ávidas por defender a manutenção de seus poderes, suas pautas econômicas e sua visão heteronormativa de família.
Para esta edição da nossa newsletter, separamos conteúdos que falam sobre as transformações que programas sociais provocaram nos estados do Nordeste. Há denúncias importantes sobre os impactos da descontinuidade dessas iniciativas, incluindo um crescimento da insegurança alimentar no país. Também destacamos reflexões para desconstruir a falsa ideia de que nordestinas e nordestinas não sabem votar.
Sirva-se!
⚠️ “É o caos ou o fim do mundo”
Em Alagoas, o fim do Bolsa Família deixará um quinto da população do estado à beira da fome. "É o caos ou o fim do mundo", escreveu em seu artigo o jornalista Odilon Rios, do Repórter Nordeste. Já em Feira de Santana, na Bahia, o programa alcançava mais de 90% das famílias pobres, conforme o Blog da Feira.
Além do combate à fome, o Bolsa Família também contribuía diretamente para a economia dos estados. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o incremento era de R$ 7 milhões por mês. Em uma entrevista dada este mês para o programa Balbúrdia, da agência Saiba Mais, a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e secretária estadual, Iris Oliveira, falou sobre o desmonte do Bolsa Família e as consequências disso para o estado.
Ainda para entender o real impacto do Bolsa Família para as populações mais vulneráveis no Brasil vale ler a série de reportagens "Do Bolsa Família ao Auxílio Emergencial", produzida pelo Observatório Vida do Agreste, que é um projeto de extensão do curso de Comunicação Social do campus Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A série foi publicada em agosto de 2020, quando o auxílio emergencial, de pelo menos R$ 600, ajudava a aumentar a renda de milhares de famílias em meio à pandemia. Uma das beneficiadas era Ivonete da Silva, do Sertão do Pajeú, em Pernambuco. Agora, Ivonete tem a despensa vazia, dívidas penduradas e só come carne de vez em quando.
🎧 O Brasil da Fome
Para entender melhor os fatores que estão trazendo a fome de volta ao Brasil, indicamos ouvir esse excelente episódio do podcast As Cunhãs. Elas explicam como Bolsonaro extinguiu o programa Bolsa Família sem apresentar em seu lugar um projeto de longo prazo para dar conta da desigualdade social agravada pela alta da inflação, pelo desmonte de políticas públicas e por este momento pós-Covid.
🌵 Seca
O programa de implantação de cisternas no semiárido, para prover acesso à água, mudou a vida de milhares de famílias nos últimos anos. Mas os impactos positivos de políticas de convivência com a seca parecem não interessar tanto à imprensa quanto as promessas vazias de políticos. Seja João Dória falando de Dubai ou Bolsonaro em sua piração por Israel, as tentativas de vender soluções importadas para a escassez hídrica estampam mais os jornais..
Alexandre Pires, coordenador-geral da Articulação do Semiárido (ASA), publicou um artigo muito didático sobre a imagem desse político salvador do Nordeste, que aparece em todas as eleições. Basta colocar um chapéu de couro para ser o novo super-homem, não é mesmo? Vale ler para entender que a solução para o Semiárido não virá de Dubai, nem de Israel. Porque a tecnologia já existe e ela é nossa.
🤓 Voto consciente
Aliás, falando de voto consciente, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) já faz a sua parte, por meio da campanha "Não troque seu voto", lançada em setembro de 2020. A ação estimula as pessoas a conhecerem as propostas das candidatas e dos candidatos para a agricultura familiar e para o fortalecimento da agroecologia e da convivência com o semiárido na região.
Aproveite o embalo das leituras e emende com esse fio no twitter de Fabiana Moraes para fechar com chave de ouro. Nossa fonte recorrente de pesquisas por aqui, ela oferece uma seleção de conteúdos preciosos para refletir sobre quem são os interessados em manter o Nordeste como sinônimo de pobreza e tutelamento.
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